Não posso acreditar
   
  que tudo isso se perdeu,
   
  que não vou voltar para a Dutra,
   
  que não vou cruzar pelo meio da mata virgem
   
  que não vou me enjoar pela estrada ruim,
   
  que não vou jamais a olhar Paraty
   
  a pousada, quarto um, teto alto
   
  cama casal, lençol branco
   
  a rua de pedra, cheia de pó
   
  as casas com telhados irregulares
   
  feitos por escravos
   
  pequenas, muitas não habitadas
   
  que agora são lojas de coisas para gringos,
   
  essas ruas de pedra, longas, cheias de pó
   
  com bandeiras na estrada, pela festa da padroeira,
   
  que não vou cruzar essa ponte, o rio, num dia de nuvens pretas,
   
  que não voltarei a olhar a baía, os pescadores,
   
  as igrejas velhas e sem pintar,
   
  a mata virgem e a praia,
   
  a Pousada do Forte, no monte
   
  os canhões, o forte na colina
   
  você sorrindo, com seus olhos dessa cor mística
   
  a chuva, o cheiro a pó
   
  essa árvore, de mais de cem anos,
   
  na que eu brinquei como neném
   
  o suco na loja,
   
  que não terei mais dias de chuva
   
  nos que farei amor a uma mulher branca
   
  cheia de pintas na pele, de cabelos encacheados
   
  que me olha o rosto com tanto amor
   
  e me diz te amo tão suave
   
  que não escutarei o Freddy cantar uma Bossa
   
  um samba com o seu violão,
   
  que terei que esquecer meus amigos,
   
  o Che Bar do meu coração,
   
  aquele no que cantei minha canção
   
  na minha língua, e todos dançaram
   
  aquele no que te vi dançar um samba que me fez te desejar
   
  aquele no que deixei tantos amigos, que são mais amigos
   
  que tantos outros que conheci nesta vida
   
  cantores, que fazem chorar o violão, mulheres e homens
   
  que cantam da dor que é amar alguém
   
  que não quer ficar contigo,
   
  de como é impossível mudar o pensamento de alguém
   
  e de como não se pode deixar de amar tão fácil
   
  mesmo assim ela não te ame
   
  Não acredito que terei que me esquecer
   
  de sua blusa preta e branca de flores
   
  seu cabelo, seus olhinhos da cor mística
   
  seu quadril e cintura sambando
   
  dela, sentada no chão, olhando o norte
   
  pés na rua de pedra, só olhando
   
  e eu pensando que esse era
   
  um dos momentos mais felizes da minha vida
   
  e quiz parar o tempo aí, para tê-la sempre comigo
   
  que não voltarei para Trindade, por aquele caminho ruim
   
  a cruzar a mata para ir para uma praia
   
  de água fria com ela
   
  o rio morrendo e o mar nascendo
   
  e eu na pedra olhando o horizonte
   
  o mar que bate nas pedras tão forte
   
  e seus olhos de uma cor mística
   
  a fronteira dos estados e o dia da despedida
   
  o São Paulo e esse adeus tão ruim
   
  e que não voltarei a chorar assim por ninguém
   
  Não sei por que tudo acabou assim
   
  eu quis mudar minha vida, juro
   
  mas ela pensou que era melhor esquecer
   
  e agora eu tento viver, e não sei se posso.